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Espírito de Lata Seca


Esse era o apelido da minha tia, quando ela ainda era criança, apelidaram de "Espírito de Lata Seca" porque a danada vivia aprontando... Na verdade, ela sempre gostou de viver, é isso, ela sempre desafiava as leis da realidade daquela época, vivia subindo em árvore, correndo, juntava as latinhas pra construir brinquedos, se escondendo e dando sustos nas galinhas, era dona de uma imaginação sem tamanho, parecia piabinha nadando, o próprio irmão já havia empurrado-a na água diversas vezes pra garantir que ela aprendesse sozinha, acabou aprendendo a nadar muito cedo. Caminhava sempre como se estivesse dançando ao ouvir o som dos galhos e folhas balançando com o vento, gostava muito de assobiar imitando os pássaros que se exibiam de manhã. Cantarolava sempre uma cantiga que inventava na hora, diziam que a bixinha não batia bem da bola. Suas irmãs, ou a maioria delas, sempre entravam na onda e seguiam suas macaquices. Se encontrasse algum bicho estranho, corria mais rápido que coelho pra chamar vovó, fez isso no dia que encontrou uma tartaruga grande e velha virada pra cima. Tudo era motivo de espanto, tinha fascinação pelas descobertas que fazia espichando o tempo ao máximo enquanto podia. Esses tempos estão no passado, mas não estão tão longes assim, engavetei as memórias numa cápsula do tempo, esses eram tempos difíceis, mas de uma forma desconhecida por muitos, todos eram mais felizes. Acho que é sempre nos tempos difíceis que a união e a convivência são reunidas, trazendo de novo sentido pra nossa vida, deixando-a repleta de boas memórias das pessoas e para que outras possíveis futuras experiências catastróficas aconteçam, como foi ter sido criança um dia, ou como minha vovó diria: Filhote; mas o mais importante aqui é o registro que deixo a vós: Não sejam uns adultos cuzões. Deixem as crianças brincarem de ser crianças enquanto elas são! Isso é um direito que não pode ser negado a ninguém. Não prendemos um pássaro que nasce livre numa gaiola de madeira.

O nome dela é Olivonete, mas os conhecidos chamam de Neta. Por não desistir nunca do que queria e ser uma mulher destemida, apeixonada pela vida, estudou até se tornar professora e durante toda sua vida deu aula na área das ciências biológicas, sua paixão desde menina. Tive a oportunidade de estudar durante maior parte da minha infância com ela na Escola José Francisco Paula Leite Oiticica Filho, se não fosse por esse Espírito de Lata Seca, eu nunca teria tomado gosto pela leitura, nunca teria aprendido a respeitar a natureza e os bichos, ou saberia sobre toda biodiversidade que existe, aprendi isso e muitas outras coisas que só ela conseguiu arrancar de mim. Agradeço muito por ter tido sua influência na minha vida. Recentemente chegou o grande esperado dia de consquistar a sua aposentadoria. Outro ciclo velho fecha, e novos se abrem. Independente de tudo, a Espírito de Lata Seca ainda não saciou sua fome do conhecimento e da vida, pois como ela mesma me ensinou, nós nunca paramos de ensinar e aprender. Fiquem em paz, navegantes. Estou a caminho da minha.


Love and let live.

(Ame e deixe viver).


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