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Entre troncos e barrancos

Atualizado: 27 de mai. de 2018

As águas barrentas do rio Acre desfilam vórtices que se quebram em desritmadas ondas ao longo das curvilíneas linhas do rio que nos separa por terra, na beira dos barrancos. Passam-se os troncos de madeira morta cortando a água por ali, só por passar. Não são as mesmas ondas de antes, águas de pólvora que tingiam de vermelho lustroso as areias do porto, mas são velhos os problemas que todo rio acumula, nem é segredo pra ninguém, pelo mal cheiro que voa solto no ar, não dá pra disfarçar a má indole de quem invenena nossos rios e os esgotos com lixo, uma hora a merda vai salpicar no teto de vidro da gente, queridos companheiros, nós podemos tapar os olhos com as mãos sujas fingindo-nos de cegos agora e pagar o preço depois ou começar a repensar nossas atitudes em relação à nossa querida cidade. Se tá ruim pra você que tem dinheiro pra ir ao supermercado comprar comida com selo importado de ouro, imagina pra quem depende dos rios e igarapés e açudes e eticeteras como fonte de recurso pra conseguir alimento, né? Pois é. É como vovó sempre dizia: Se não aprender por amor, a vida ensina pela dor. Se cuidem, crioncinhas, e cuidem de cuidar bem, mas muito bem mesmo, da natureza. É dela que a gente consegue alimento e é da gente que ela se alimenta.



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A mãe leva a filhinha caçula para comer e passear pela Gameleira. As duas sentam num banco à beira do calçadão. A mãe conta pra filha dos bichinhos que moram dentro do rio. A filha levanta apontando:

- Olha, mãaaeee!! Quié aquilo? É um boto? Olha ali, aquilo ali verde que tá se mexendo!

A mãe olha pro rio, tenta enxergar o que a filha aponta, mas antes, alguém que estava perto responde:

- Não sonha, menininha. São apenas garrafas pet boiando juntas em perfeita sintonia, graças a nossa formação de caráter duvidosa!

A menina ri sem entender balofas, achou engraçado as caras e bocas que o caba revoltado fazia gesticulando. A mãe pega a filha pelo braço e diz quase babando de raiva:

- Vá para o raio que o parta, vagabundo! Porra de artistas que se acham salvadores da pátria, sabe porra nenhuma, que se lasque...

As duas desaparecem sob o crepúsculo de Rio Branco e o rio continua cantando uma canção sobre o dia em que ele encontraria com glória sua libertação.

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Visita à exposição de obras dos artistas plásticos locais no Sesc Centro, 2016.
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