Delírios do Acreano Cotidiano #3
- Vitor Machado Marques
- 25 de ago. de 2018
- 3 min de leitura
FERA FERIDA
Olho para o grande buraco que há entre o vão espaço do tempo e das memórias que guardo coladas junto ao desejo iminente de desaparecer quando não te vejo ao lado. Os nervos se contorcem, as mãos trêmulas derrubam as cinzas, que caem com as primeiras lágrimas do dia, e a saudade vai cutucando mais as feridas, coceira irritante que pinica, não passa, fica. Os sinais são tão claros quanto a luz que ilumina os dias. O suor desce escorrendo quando você lembra das noites mais quentes que passaram fudendo, amando, a língua roçando partes do corpo que você nem sabia que existia, por nunca ter se permitido responder a esse tipo de provocação com ninguém antes, arrepia os fios mais discretos do anel roxinol que eu te dei com tanto carinho. Os estalos dos corpos e gemidos no meio de tanta saliva, da minha boca faminta, gulosa de ti, do teu sabor de mel que me adoça a alma e me lambuza todo. Diante todas as circunstâncias, de ser amante da vida e não ser só isso, como caça que cai na emboscada, devo ter provado do tal fruto proibido, e do doce que me escorreu pela boca, senti o gosto amargo do fel. Fascinado por esse amor visceral, vou me enrolando no emaranhado das tuas mentiras, quase sorrindo, digo teu nome baixinho pra que não escutem, pois te perdoo. Ainda sinto seus abraços, quem nunca se cortou tentando atravessar a cerca que tinha arames farpados ou tentou em vão colher um rosa e acabou se furando com os espinhos? Não espero que volte pra mim, nem sei se deveria, mas me conhecendo bem, eu sei que te aceitaria. Te quero muito, te amo pra caralho. São teus olhos, os meus. Nosso carinho em silêncio, nossas mudanças de rotinas repentinas, os entreolhares fogosos que tínhamos, aquele jogo de esconde-esconde horrível que tu guardava, dos outros, do filho, da mulher, da família, ter ou não ter um cachorro, plantar uma árvore, trabalhar, cuidar da saúde, trabalhar, ter que saber dividir esse tempo com outro, que tem um tempo diferente do que te cobram e que é de outro ritmo, pagar contas, viajar a trabalho, arrumar a casa, a vida e por fim, amar, se não tiver outra saída. Quanto tempo o tempo tem? São todas as coisas feitas pra acabar? Onde começa? Quando termina? Estou sempre cheio de dúvidas, mas acho que as respostas pra muitas dessas questões não são mais importantes que a imensa gratidão que eu sinto em poder passar por cada descoberta que faço, das experiências que tenho e de entender que tudo o que eu sinto só me faz exapandir como ser de matéria orgânica feita com poeira de restos de estrelas, que vai virar merda no fim. Após a vida, todo amor renascerá.

Ainda te observo de longe, menino velho.
Desatando o cadarço do tênis,
Tirando a camisa suada, devagar.
Quando eu te vejo cruzando o bloco
Meu coração não pensa duas vezes,
Fica louco de pedra, bate forte a palpitar.
P.S: Estava bisbilhotando as publicações do blog Alma Acreana, e por coincidência achei uma foto do Danilo de S'Acre que dialoga muito com a minha. Resolvi postar a foto dele junto da minha no texto, gosto demais das fotos que ele faz, são poéticas, sensíveis, não precisam nem de legenda, o trabalho dele é realmente fantástico, sem dúvidas, ele é uma das minhas referências mais importantes quando penso em traduzir identidade fazendo os meus cliques, de vez em quando... Então galera, fiquem ligados, pois como vocês mesmo já devem ter percebido, nós estamos conectados de alguma forma, eu e você aí do outro lado. Nós temos algo em comum. O que será que será?

(Sonhos - Peninha)
(Eternas ondas - Zé Ramalho, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo)
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